A quantidade de crianças e adolescentes em situação de trabalho infantil no Brasil atingiu, em 2023, o menor patamar da série histórica iniciada pelo IBGE em 2016, com 1,6 milhão de jovens nessa condição. O índice representa uma queda de 14,6% em relação a 2022, quando o número chegou a 1,88 milhão, marcando uma reversão importante após o aumento registrado durante a pandemia. Em termos percentuais, o índice caiu para 4,2% da população de 5 a 17 anos, também o mais baixo desde o início da série.
A redução significativa foi impulsionada pela melhoria da economia e pela ampliação do programa Bolsa Família, que ajudaram a aliviar a necessidade de crianças e adolescentes trabalharem para complementar a renda familiar. “O aquecimento do mercado de trabalho e o aumento da cobertura do Bolsa Família, tanto em termos de número de beneficiários quanto no valor dos pagamentos, desestimularam o trabalho infantil. Além disso, o aumento da fiscalização também contribuiu para esse recuo,” explica Gustavo Geaquinto Fontes, analista do IBGE e responsável pela pesquisa.
Recuperação Pós-pandemia e Reversão de Tendências
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O trabalho infantil no Brasil vinha apresentando queda contínua nos últimos anos, até ser interrompido pela pandemia de Covid-19. Em 2022, a proporção de crianças e adolescentes em trabalho infantil chegou a 4,9%, reflexo das dificuldades econômicas vividas por muitas famílias durante o período. O impacto da pandemia, que causou perda de empregos e redução da renda familiar, levou muitas famílias a recorrerem ao trabalho infantil como forma de sobrevivência.
Em 2023, com a recuperação econômica, o cenário voltou a melhorar. A expansão do Bolsa Família e o reaquecimento do mercado de trabalho proporcionaram melhores condições financeiras para as famílias, reduzindo a necessidade de trabalho infantil. Ao mesmo tempo, houve um esforço coordenado de políticas públicas voltadas para a erradicação do trabalho infantil, com a intensificação das fiscalizações e programas voltados para o combate dessa prática.
Trabalho Perigoso Ainda Preocupa
Apesar da queda no número de menores em situação de trabalho infantil, o país ainda enfrenta desafios preocupantes. O levantamento do IBGE revelou que cerca de 586 mil crianças e adolescentes de 5 a 17 anos estavam envolvidos em atividades classificadas como perigosas, como mineração, construção civil, manuseio de produtos químicos e operação de máquinas pesadas. Essas atividades são altamente nocivas à saúde e à integridade física, e representam 36,47% do total de menores em situação de trabalho infantil.
Este contingente, no entanto, também apresentou redução, caindo 22,5% em comparação a 2022, quando 756 mil crianças e adolescentes desempenhavam atividades perigosas. Ainda assim, os números são alarmantes e refletem uma realidade que ainda precisa ser combatida com maior rigor, principalmente nas áreas rurais e regiões mais vulneráveis, como o Norte e Nordeste.
Perfil Social e Desigualdade Racial
Outro aspecto que merece destaque é o perfil social dos menores envolvidos no trabalho infantil. Segundo os dados do IBGE, quase sete em cada dez crianças que trabalham são pretas ou pardas, evidenciando a desigualdade racial no acesso a oportunidades e direitos básicos. Além disso, a região Nordeste concentra o maior número de crianças em trabalho infantil, com 506 mil jovens nessa situação, enquanto a região Norte tem o maior percentual em relação à população total: 6,9% dos jovens de 5 a 17 anos estão envolvidos em algum tipo de trabalho.
“Esses números mostram a relação entre pobreza, vulnerabilidade social e trabalho infantil. Crianças de famílias de baixa renda, especialmente nas regiões Norte e Nordeste, estão mais sujeitas a serem forçadas a trabalhar para complementar a renda familiar”, aponta Fontes.
Impacto na Educação e Afastamento Escolar
O impacto do trabalho infantil vai além do campo econômico e social, afetando diretamente a educação. O levantamento do IBGE mostrou que, em 2023, 97,5% das crianças e adolescentes de 5 a 17 anos frequentavam a escola, mas esse número cai para 88,4% entre os que estavam em situação de trabalho infantil. Essa evasão escolar é uma das principais consequências do trabalho precoce, que muitas vezes obriga crianças a deixarem a sala de aula para ajudar nas despesas da casa.
Além disso, o rendimento médio das crianças e adolescentes envolvidos em trabalho infantil é significativamente inferior ao dos que não trabalham de forma irregular. Enquanto aqueles em situação de trabalho infantil recebiam, em média, R$ 771 por mês, os jovens que não trabalhavam ilegalmente tinham um rendimento médio de R$ 1.074, reforçando o impacto negativo do trabalho precoce no futuro financeiro e educacional dessas crianças.
Aumentos na Fiscalização e Perspectivas Futuras
O esforço das autoridades brasileiras para intensificar a fiscalização do trabalho infantil também foi um fator crucial na redução dos índices em 2023. O número de menores resgatados em situações de trabalho ilegal aumentou 10% em relação ao ano anterior, indicando uma maior ação de órgãos de controle e da sociedade civil no combate a essa violação de direitos.
Entretanto, especialistas alertam que a continuidade dessa redução depende da manutenção e expansão de políticas públicas eficazes, especialmente nas áreas de educação e inclusão social. Programas como o Bolsa Família e iniciativas voltadas para a conscientização sobre o trabalho infantil, como a campanha “Deixa Eu Ser Criança”, que já transformou a vida de mais de 190 jovens, são essenciais para garantir que o Brasil continue avançando na erradicação dessa prática.
O Que Diz a Lei?
A Constituição Brasileira proíbe qualquer forma de trabalho infantil até os 13 anos de idade. Entre 14 e 15 anos, é permitido o trabalho apenas na condição de jovem aprendiz, com uma série de limitações em termos de carga horária e atividades permitidas. Já a partir dos 16 anos, o trabalho é autorizado, mas com restrições, sendo vedadas atividades perigosas, insalubres e o trabalho noturno.
Conclusão
A queda do trabalho infantil em 2023 é um avanço importante na luta pela proteção das crianças e adolescentes no Brasil, mas ainda há desafios a serem superados. A permanência de meio milhão de menores em atividades perigosas, o impacto na educação e a vulnerabilidade social de grupos específicos, como negros e moradores das regiões Norte e Nordeste, exigem atenção contínua do governo e da sociedade para garantir que essas crianças tenham um futuro livre de exploração e com acesso pleno a educação e oportunidades de crescimento.