“Decidi ser bom por vontade, sem o suborno do céu.” — disse George Bernard Shaw, com a tranquilidade de quem sabe exatamente o que está falando. E cá estou eu, advogada por ofício e espiritualista por convicção, refletindo sobre essa declaração como quem redige uma petição existencial.
A bondade, senhoras e senhores — e meritíssimos, por que não? — não deveria depender de promessa de galardões celestiais. Afinal, se praticar o bem for apenas uma cláusula contratual com o céu, não estaríamos diante de um vício de consentimento moral?
Quantas almas andam por aí com conduta ilibada apenas para garantir uma sentença favorável no juízo final? Cumprindo mandamentos como quem cumpre prazos processuais — não por convicção, mas por medo de perder o recurso à eternidade? Ora, sejamos sinceros: isso não é virtude, é litisconsórcio com o divino por conveniência.
Shaw nos propõe algo muito mais audacioso: a bondade como escolha autêntica. Não imposta pelo Código Penal Celestial, nem por um suposto benefício tributário espiritual. Ser bom por livre e espontânea vontade, como quem assina uma declaração de princípios sem exigência de testemunhas ou carimbo de cartório.
Espiritualmente, é um convite à consciência: e se o céu não viesse com bônus? E se não houvesse bênçãos para quem faz o bem? Você ainda o faria? Ou a moralidade cairia por terra como um embargo mal fundamentado?
A ironia fina — e deliciosa — da frase de Shaw é que ele desnuda, com uma elegância quase britânica, o quanto terceirizamos a responsabilidade ética. Esperamos que a espiritualidade nos premie como um cliente satisfeito premia um advogado vitorioso. Mas o espírito, ao que tudo indica, não tem pressa nem tabela da OAB.
A bondade verdadeira, meus caros, não é barganha nem petição. É decisão. E das mais nobres. Porque nasce do foro íntimo — onde nenhuma apelação alcança.
No tribunal da vida, talvez o juiz supremo não queira saber quantas religiosidades você praticou ou quantas vezes disse “amém”. Talvez ele pergunte, apenas: “Você foi bom… sem esperar algo em troca?”
E que bela defesa seria poder responder: “Fui. Por vontade. Sem o suborno do céu.”