Em sua primeira celebração dos ritos de Natal como pontífice, na Basílica de São Pedro, no Vaticano, o Papa Leão XIV proferiu uma mensagem contundente em defesa da paz. Diante de um cenário mundial complexo, marcado por conflitos em curso no Sudão, na Ucrânia e em Gaza, o líder católico apostólico romano reforçou um apelo que já vinha divulgando nos últimos dias. Sua proposta central é a construção de uma cultura de paz, tanto na esfera doméstica quanto na pública, baseada em um conceito de “paz desarmada e desarmante”, conforme detalhado em sua mensagem preparada para o Dia Mundial da Paz, celebrado em 1º de janeiro. Este pronunciamento ressoa como um chamado urgente à reflexão e à ação em um mundo cada vez mais fragmentado e violento.

A mensagem do pontífice: desarmamento e cultura de paz

A celebração natalina de Leão XIV foi palco para a formalização de um pedido universal por uma paz que transcende a mera ausência de guerra. O pontífice enfatizou a necessidade de um desarmamento não apenas material, mas também moral e cultural. Para ele, a construção de uma cultura de paz exige que indivíduos e nações se espelhem na figura de Jesus Cristo, que, segundo suas palavras, travou uma luta intrinsecamente “desarmada”. Esta perspectiva desafia a noção convencional de segurança, que muitas vezes é associada ao poderio militar.

Crítica à corrida armamentista e IA militarizada

Um dos pontos mais incisivos da mensagem papal foi a condenação veemente da corrida armamentista global. Leão XIV apontou para o aumento crescente das despesas militares em diversas nações, associando esse fenômeno a discursos que “difundem a percepção de que se vive sob ameaça e que a segurança deve ser armada”. Para o Papa, essa lógica alimenta um ciclo vicioso de medo e desconfiança, desviando recursos que poderiam ser empregados em desenvolvimento humano e social.

Mais alarmante, o pontífice criticou o uso bélico da inteligência artificial (IA), classificando-o como um fator que “radicalizou a tragédia nos conflitos armados”. Leão XIV citou o exemplo pioneiro do uso de drones guiados por IA em Gaza por Israel, empregados como ferramentas de intimidação, vigilância e ataques. O Papa alertou para uma perigosa “espiral de destruição sem precedentes”, que compromete os fundamentos do humanismo jurídico e filosófico essenciais para qualquer civilização. Ele expressou particular preocupação com o processo de “desresponsabilização dos líderes políticos e militares”, decorrente da crescente delegação de decisões cruciais sobre a vida e a morte a máquinas autônomas. Segundo Leão XIV, essa tendência representa uma ameaça existencial à própria essência da dignidade humana e da ética na guerra. Em seus sete meses no cargo, o Papa busca, com sua mensagem, incentivar o apoio mútuo entre as nações através do diálogo e da confiança, e que as pessoas cultivem, além da oração, o diálogo com outras tradições e culturas. O objetivo é que cada comunidade se torne uma “casa de paz”, um espaço onde a hostilidade seja neutralizada pelo diálogo, a justiça seja praticada e o perdão seja cultivado, mostrando que a paz não é uma utopia, mas uma realidade possível através de uma “criatividade pastoral atenta e generativa”.

O clamor pela paz ressoa em diversas crenças

A mensagem do Papa Leão XIV não ecoou apenas dentro dos muros do Vaticano, mas encontrou ressonância e apoio em diversas lideranças religiosas no Brasil, um país com uma vasta pluralidade de fé. Este consenso inter-religioso reforça a universalidade do apelo pela paz e a necessidade de uma ação conjunta para sua concretização.

A visão inter-religiosa e o desafio da prática

Ao analisar a mensagem papal, o teólogo e pastor batista Marco Davi de Oliveira destacou a “profunda reflexão sobre a paz” que o pontífice provoca para iniciar o ano de 2026. Para Oliveira, a paz exterior muitas vezes é um reflexo da paz interior, e que “atitudes violentas são reflexo de guerras interiores e de falta de Justiça”. Ele concordou que o Papa está “correto em falar da paz desarmante”, sugerindo que todas as estratégias, a fé e a compreensão de mundo devem ser mobilizadas para a produção da paz, primeiro em nós mesmos, e depois no próximo. Segundo ele, esta é uma construção de médio e longo prazo, que exige respeito e alteridade.

O pastor e cantor gospel Kleber Lucas também endossou a mensagem, percebendo-a como uma continuidade do legado do Papa Francisco na urgência da paz mundial. Lucas vê o Papa como um “agente do Reino de Deus em um mundo que precisa praticar mais a paz”. Ele enfatiza que “praticar a paz é um desafio do nosso tempo, através do diálogo, do respeito, da tolerância, de uma prática cotidiana de conciliação”.

Geraldo Campetti, vice-presidente da Federação Brasileira Espírita, alinhou-se à perspectiva papal, afirmando que a paz faz parte das “bem-aventuranças da felicidade”. Ele reforçou que “a paz é uma conquista que a gente deve empreender todos os dias na nossa vida” e que “não há como ser feliz plenamente se não houver paz”. Para Campetti, o primeiro passo para essa conquista é o autoexame. “Muitas vezes, criamos muros, por preconceito, por julgamentos, e a gente precisa aprender a ter um olhar mais inclusivo, tal qual Jesus nos ensinou, de entendimento, de busca de uma relação fraternal, entre as pessoas e os povos”.

O babalaô Ivanir dos Santos, interlocutor da Comissão de Combate à Intolerância Religiosa (CCIR) e professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro, corroborou a ideia de que “toda a grande liderança religiosa defende um ambiente de harmonia, diálogo e respeito”. No entanto, Santos também levantou uma crítica fundamental sobre a aplicação prática da mensagem papal no contexto brasileiro. Ele alertou que, no Brasil, a fé tem sido, por vezes, desviada para a mobilização de interesses políticos e de discórdia. O professor cobrou que a mensagem do Papa se transforme em gestos concretos por parte dos cristãos, denunciando que “o papa fala em uma direção, mas tem autoridades cristãs católicas que têm ação diferente”, evidenciando um descompasso entre o discurso e a prática de alguns líderes.

Conclusão

A mensagem do Papa Leão XIV, proferida em sua primeira celebração natalina, transcendeu as fronteiras da fé católica, tornando-se um apelo global por uma “paz desarmada e desarmante”. Em um mundo dilacerado por conflitos e pela crescente militarização tecnológica, especialmente o uso da inteligência artificial em guerras, o pontífice defende uma mudança de paradigma que priorize o diálogo, a confiança mútua e a desresponsabilização ética na tomada de decisões bélicas. As reações de líderes de diversas tradições religiosas no Brasil, que endossaram a urgência da paz e a necessidade de cultivá-la internamente e externamente, sublinham a universalidade e a relevância desse chamado. Contudo, a crítica de Ivanir dos Santos ressalta o desafio premente de transformar palavras em ações concretas, garantindo que o discurso pela paz não seja apenas uma retórica, mas uma prática diária e consistente, tanto individual quanto institucionalmente. A paz, conforme articulado pelo Papa e pelos demais líderes, não é uma utopia, mas uma conquista diária que exige um compromisso ativo e contínuo de todos.

Perguntas frequentes (FAQ)

Qual é a principal mensagem do Papa Leão XIV para o Dia Mundial da Paz?
A principal mensagem do Papa Leão XIV para o Dia Mundial da Paz é um apelo por uma “paz desarmada e desarmante”, que fomente uma cultura de paz tanto na vida doméstica quanto na esfera pública. Ele defende o desarmamento, o diálogo, a confiança mútua e a inspiração na luta “desarmada” de Jesus Cristo.

Como o Papa aborda o uso da inteligência artificial em conflitos?
O Papa Leão XIV condena veementemente o uso bélico da inteligência artificial (IA), afirmando que ela “radicalizou a tragédia nos conflitos armados”. Ele alerta para o risco de “desresponsabilização dos líderes políticos e militares” devido à delegação de decisões sobre vida e morte a máquinas, citando o uso de drones com IA em Gaza como exemplo.

Líderes de outras religiões apoiam a mensagem papal?
Sim, diversos líderes de outras religiões no Brasil apoiam a mensagem do Papa. O pastor batista Marco Davi de Oliveira, o pastor gospel Kleber Lucas e o vice-presidente da Federação Brasileira Espírita, Geraldo Campetti, expressaram concordância com o apelo pela paz e a necessidade de cultivá-la interna e externamente.

Qual a crítica de Ivanir dos Santos em relação à mensagem do Papa?
O babalaô Ivanir dos Santos, embora reconhecendo a defesa universal da harmonia pelos líderes religiosos, criticou a discrepância entre o discurso papal e as ações de algumas autoridades cristãs católicas no Brasil. Ele apontou que, no país, a fé tem sido desviada para interesses políticos e discórdia, cobrando gestos concretos que reflitam a mensagem de paz.

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Fonte: https://agenciabrasil.ebc.com.br

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